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Ciclo da morte

Uma das primeiras lições que recebi quando criança é a de que nem tudo dura para sempre. Nós nascemos, vivemos e em certo momento iremos morrer. Confesso que falar sobre a morte em si não é algo muito confortável, uma vez que não gostaria de perder quem eu amo e muito menos ter que deixá-los.

No dia em que recebi o diagnóstico, deitada na cama do hospital, meio sem saber ainda sobre o que se tratava e sem ter muita força de raciocínio para isto, percebia que algo dentro de mim morria lentamente.
Morria uma Paula, que acreditava ter o real controle sobre a própria vida. Morria a Paula que planejava seus dias e corria para alcançar todos esses sonhos. Morria uma parte da Paula que conhecia alguma coisa sobre a sua existência. Morria uma Paula que acreditava ser invencível.

Naquele instante, quando o Dr. entrou no quarto do hospital e confirmou o diagnóstico, aos poucos, sem conseguir pronunciar uma palavra sequer, sem conseguir chorar, sem conseguir praticamente me mexer do pescoço para baixo, eu descobria que a jornada da minha vida começava exatamente ali.

O tempo passava, eu tinha que reaprender a sentir os meus pés tocarem o chão, a me equilibrar sobre eles e a descobrir a força enorme que eles fazem para se manterem estáveis.

Notava que segurar um garfo ou uma leve caneta com as mãos, podia ser uma tarefa bem desafiadora, uma vez que só a minha intenção em fazê-la, não era suficiente. Eu tinha que parar, olhar para minha mão, planejar como um dedo encostaria no outro e enviar muita, muita força para que eles se equilibrassem. E fazer isso diversas vezes, até conseguir.

Reaprendi a me alimentar realmente nutrindo meu corpo, para que ele tivesse muita força e meus tecidos pudessem se regenerar com qualidade e vitalidade. Experimentei ingerir alimentos vivos, sem toxinas e vi o quanto fez a diferença nos sintomas das lesões que tive.

Entendia que pedir ajuda podia ser libertador, uma vez que eu não conseguia mais salvar o mundo e que outras pessoas poderiam fazer tarefas que antes eram minhas, sem que eu precisasse me sentir apreensiva por isso.
As minhas angústias conheciam algo muito maior do que as vaidades, apegos e a prepotência.

Descobria escolhas bem melhores para me relacionar, hábitos para mudar, rotinas para me movimentar.

A morte física continua não sendo exatamente algo que eu considere confortável, mas sei que é através dela que nós definitivamente nascemos.
Hoje, eu me arrisco a dizer que não existe ciclo da vida e sim, ciclo da morte. Nós morremos, nascemos e depois vivemos. Cada um no seu tempo, com seus aprendizados, muitas e muitas vezes, durante a vida morremos para que possamos nos transformar em seres infinitas vezes melhores.

Como diz muito sabiamente um dos meus autores favoritos, Gabriel García Márquez:

"se deixou levar por sua convicção de que os seres humanos não nascem para sempre no dia em que as mães os dão à luz, e sim que a vida os obriga outra vez e muitas vezes a se parirem a si mesmos."

Um beijo grande!



Comentários

  1. Lindo Paula! Eu sempre comparo o diagnóstico a morte de uma identidade e nascimento de muitas outras.
    Me diz uma coisa, de qual livro do Gabo é essa citação? Gostei muito!
    Bjs

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi amada, tudo bem com você? Me encanta saber que gostou do texto! Os seus por diversas vezes me inspiraram verdadeiramente. A citação faz parte da obra " O amor nos tempos de cólera", se você ainda não leu, vale a pena! Espero que estejas bem, beijo grande e até mais!

      Excluir

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